SEM GRILHETAS NEM SENSURA

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PORTAL DE AGOSTINHO DA SILVA

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O FILOSOFO DE PORTUGAL

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

BOUDICA A RAINHA GUERREIRA

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Boudica ou Boudicca foi uma rainha celta que liderou a revolta dos icenos, contra a invasão romana entre 60 e 61 dC.
Foi uma tribo bretã que habitou a área que corresponderá ao actual condado de Norfolk  (Inglaterra), entre os séculos I a.C. e I d.C.
Os Cenimagnos que se renderam a Júlio César durante a sua segunda expedição à Bretanha em 54 a.C., poderiam ter sido parte dessa tribo de icenos.

Juntamente com outras tribos, como os trinovantes, Boudica, comandou um numeroso exército contra as forças romanas que ocupavam a Grã-Bretanha, durante o império de Nero (54 a 68 d.C.)
O historiador Dião Cássio escreve sobre Boudica:

"Boudica era alta, terrível de olhar e abençoada com uma voz poderosa. Uma cascata de cabelos vermelhos que alcançavam os joelhos; usava um colar dourado composto de ornamentos, uma veste multi-colorida e sobre esta um casaco grosso preso por um broche. Carregava uma lança comprida para assustar todos os que lhe deitassem os olhos."

Dião Cássio relata ainda que ela cometeu todo o tipo de atrocidades em nome de uma deusa chamada Andraste, que seria a equivalente britânica de Vitória, em Latim “Victoria” era, na mitologia romana, a personificação da deusa da vitória e que corresponde à deusa grega Nice, em grego “Νίκη, Níkē ou Nike  "Vitória". O próprio nome “Boudica” poderá significar "vitória".

Há provas arqueológicas da sua existência, representadas por torques com desenhos para serem usados nos pulsos, em torno do pescoço ou nos ombros. Assinalava que quem os usava pertencia à nobreza.

Os icenos começaram a cunhar moeda por volta do ano 10 a.C., criando uma adaptação especial do desenho gaulês “cara de cavalo”, mas em algumas moedas anteriores, sobretudo da zona próxima a Norwich, o cavalo foi substituído por um javali. O primeiro nome registado, que aparece nas moedas é o de um tal “Antédios” por volta de 10 a.C., seguindo nomes abreviados como AESU e SAEMU.

A chamada Estrada “Icena”, um antigo caminho, que une a Ânglia Oriental com Chilterns foi denominada assim em honra deste povo.  
Boudica era casada com o Rei dos icenos que tinha feito um acordo com os romanos tornando-se aliado de Roma.

Com a sua morte Boudica assumiu a liderança do povo, contudo, os romanos ignoraram o acordo e o procurador Cato Deciano apropriou-se abusivamente de toda a herança do rei falecido; quando os icenos protestaram contra tal abuso, por intermédio da sua rainha viúva, Boudica, Cato Deciano ordenou às suas tropas para sufocar o protesto. Estas abusaram no emprego da força, açoitando a rainha e violando as filhas. Ela ficou indignada com o tratamento dado pelos romanos e iniciou uma revolta, unindo os povos próximos da sua cidade para lutarem pela libertação do jugo romano. Tomaram e massacraram algumas cidades que estavam sob controlo do império romano.

Depois de algumas perdas, o exército romano reorganizou-se e atraiu os rebeldes liderados por Boudica, em maior número mas estrategicamente para um terreno adequado as tácticas militares romanas, comandados pelo governador da Britânia, Caio Suetónio Paulino que conseguiu derrota-los. A revolta comandada por Boudica foi uma das mais violentas contra o império romano.

OS CELTAS:

domingo, 26 de setembro de 2010

OS BÓRGIAS


Alexandre VI, nascido a 1 de Janeiro de 1431 em Xàtiva, um Município de Espanha na província de Valência, - hoje comunidade autónoma da Comunidade Valenciana - faleceu em Roma a 18 de Agosto de 1503, subitamente, suspeitando-se que tenha sido envenenado por arsénico, adicionado à sua comida durante um banquete, o que provocou o enegrecimento do cadáver e o inchaço dentro do caixão, levando a que alguns assistentes tenham inserido o corpo num caixão maior. O seu funeral foi breve e sem grandes comemorações, tendo sido sepultado com o seguinte epígrafe "Aqui Jaz Alexandre VI, que foi papa", repousa na igreja de Santa Maria em Monserrato - Espanha. Foi papa de 10 de Agosto 1492 até à data da sua morte. Quando chegou a Itália, adoptou o nome de Rodrigo Bórgia, estudou direito em Bolonha. Com a nomeação do seu tio Alfonso de Borgia, para o papado como Calisto III, foi sucessivamente elevado a cargos de mais qualidade: bispo, cardeal e vice-chanceler da Igreja. Serviu a Cúria Romana durante cinco pontificados, adquirindo experiência administrativa, influência e riqueza, mas não grande poder. A partir de 1470 ligou-se a Giovanna (Vanozza) Cattanei, de quem nasceram os seus filhos bastardos; teve ainda por amante Giulia Farnese, mulher de Orsino Orsini.

Em 1494 sofreu uma tentativa de deposição, por causa de simonia e corrupção, da parte de prelados à frente dos quais aparecia o cardeal Della Rovere, futuro Papa Júlio II. Resistiu, mas continuou a praticar actos imorais, apesar da condenação que lhe dirigiam, entre outros, o padre Girolamo Savonarola.
As negociações ibéricas iriam determinar o famoso Tratado de Tordesilhas de 7 de Junho de 1494 que confirmaria a divisão do mundo entre Portugal e Espanha e seria contestado por outros monarcas, dos quais o mais famoso foi Francisco I de Angoulème, rei da França.

O pontificado de Rodrigo Bórgia foi um paradigma de corrupção papal ocasionada pela invasão secular dentro da Igreja, mais tarde foi tido como desculpa para a separação dos protestantes. Alexandre VI foi, sem dúvida, um papa corrupto, pouco dado às virtudes cristãs. Teve pelo menos sete filhos, entre os quais César Bórgia, Duque de Valentinois que abandona a carreira eclesiástica, para a qual tinha pouco gosto, utilizando como justificativa o assassinato do irmão João, o qual deveria substituir nos assuntos temporais. João era capitão das forças militares do papado.

César Bórgia, feito Duque Valentino em 1498 pelo rei Luís XII de França, “o Pai do Povo”  que queria um papa aliado. César Bórgia tornou-se modelo para o livro “O Príncipe”, de Maquiavel; foi apontado como amante da sua irmã Lucrécia Bórgia, embora tal informação não possua grandes confirmações. Calculista e violento, dotado de uma força física invulgar. Consta que de um só golpe de espada conseguia degolar um boi. César tentou, com o apoio do pai, constituir um principado na Romanha, uma região histórica da Itália setentrional que actualmente é parte da região da Emília-Romana.

Lucrécia Bórgia, nasceu em Subiaco, comuna italiana da região do Lácio, a 18 de Abril de 1480. Vanozza Cattanei, sua mãe, também teve de Rodrigo Bórgia os seguintes filhos:
César (1475) Giovanni (1477) e Geofredo (1481-1483). Os primeiros anos de vida da menina Lucrécia foram passados na casa da sua mãe nas imediações de Roma, na chamada Piazza Pizzo di Merlo, em absoluta paz familiar. Ela tinha um pai que a adorava, uma mãe dedicada, dois irmãos que brigavam pela sua atenção, e outro para mimar. Já nesta época, começaram a surgir as primeiras desavenças entre Giovanni Bórgia e César Bórgia. Tudo começou pela disputa que os dois travavam pela preferência da pequena irmã, e pelos ciúmes que César nutria devido à preferência que o seu pai dava a Giovanni. Quando completou nove anos, Lucrécia foi separada dos seus irmãos: Giovanni seguiu para a Espanha; César viu-se obrigado por Rodrigo a entrar para a vida religiosa, mesmo sem a menor vocação; e a própria Lucrécia foi despachada para a casa de Adriana de Mila, dama da nobreza e viúva, a fim de receber uma educação erudita ao lado da rigorosa senhora.

Adriana era a mãe de Orsino Orsini, garoto com a mesma idade de Lucrécia e recém-casado com uma jovem beldade de 14 anos chamada, Giulia Farnese. Giulia, apesar de casada, logo se tornou amante do ainda cardeal Rodrigo Bórgia, pai de Lucrécia, e a família do marido da garota era totalmente conivente com isso. Afinal, Rodrigo era um dos homens mais poderosos da Itália e um Papa em potencial. Giulia e Lucrécia logo se tornaram grandes amigas: compartilhavam de tudo, desde os mais preciosos segredos até às confidências de sedução. Foi aí o grande erro de Rodrigo quanto à criação de Lucrécia. Ela esteve sob a influência mundana de Giulia Farnese por muitos anos. Em apenas quatro anos, Lucrécia evoluiu de uma frágil menina para uma estonteante mulher.

Lucrécia casa-se com Giovanni Sforza em 12 de Junho de 1493; ela tinha 13 anos e ele 26. Sforza recebeu como dote 15 milhões de ducados, uma fortuna naquele tempo. Todos os seus irmãos estiveram presentes na cerimónia. Desde que eles haviam saído da casa de Vanozza, em 1489, que os irmãos Bórgia não se encontravam. César, agora cardeal, e Giovanni, duque de Gandia, brigavam mais do que nunca. Não apenas por causa da atenção da irmã ou do pai, mas sim porque qual deles teria mais mulheres e mais riquezas. Porém, na boda, o maior espanto de todos não foi César, Giovanni e muito menos Geofredo; foi Lucrécia, a noiva, que havia mudado tanto física quanto psicologicamente. Da menininha que era em 1489, agora era precocemente uma mulher fatal que já tinha desejos carnais activos. O seu corpo não aparentava, nem de longe, os seus treze anos e já mostrava belas formas capazes de chamar a atenção de qualquer homem. Lucrécia tinha cabelos cor de ouro e olhos de um azul cintilantes. Foi dita como a mais bela mulher de toda a Roma. Os encantos da garota seduziram todos os presentes, mas não o duro e áspero noivo.

Foi documentado que Giovanni Sforza permaneceu indiferente a Lucrécia durante todas as festividades, e que nem sequer dançou com a noiva no banquete. Porém, isso não fez a Lucrécia a mínima diferença. Se ela tinha um marido que não estava disposto a dançar, tinha irmãos que estavam e muito.
Lucrécia permaneceu por todo o banquete acompanhada ora de César, hora de Giovanni Bórgia. Quando como marido e mulher se foram deitar, no quarto nupcial, os dois irmãos acompanharam-na e leram para ela poemas de amor. Começaram aí as primeiras acusações de incesto na família Bórgia. Porém, ao menos desta vez, admite-se que isso não prova algum relacionamento além do fraternal enlace entre Lucrécia e os irmãos, já que recitar poemas de amor para a noiva era um costume italiano muito usual no século XV.
O casamento não se consuma, pois a noiva era considerada muito jovem. Por incrível que isso pareça, Lucrécia mantém-se virgem e intacta até à primeira noite que esteve com o marido por volta de 1495. Os dois anos que separaram o casamento da consumação, marido e mulher passaram-nos totalmente afastados, Giovanni Sforza governando Pésaro e Lucrécia fruindo das orgias nos aposentos do seu pai e dos seus irmãos, no Vaticano.

Neste meio tempo, Alexandre, o papa, dispensa Giulia Farnese de ser sua amante favorita e expulsa-a do Vaticano; assim Lucrécia fica sem a amiga. Porém, ela já arranjara outra no mesmo nível de frivolidade: a nova esposa do irmão de Giulia, Geofredo,  Sanchia de Aragão, filha bastarda do rei de Nápoles. Sanchia, além de servir a Geofredo como esposa, frequentava também a cama de outro Bórgia, Giovanni, e talvez também a de César.
Em 1495, Giovanni Sforza levou Lucrécia consigo para Pésaro. Sanchia de Aragão acompanhou o casal, a fim de se afastar por algum tempo do Vaticano para abafar seus escândalos públicos. O mesmo também acontecia com Lucrecia Bórgia, já que os boatos sobre o seu incesto aumentavam cada vez mais. O próprio Sforza acusou a mulher para o seu tio Ludovico, o Mouro, casado com Beatriz de Sforza, de ela manter constantes relações sexuais com os irmãos e, por vezes, com o próprio pai. Essas acusações não devem ser levadas a rigor, já que foram feitas na época em que lhe convinha acusar Lucrécia.
Quando Sforza retornou ao Vaticano com Lucrécia, um plano de César e Giovanni Bórgia, encoberto pelo Papa Alexandre, planeava matar o próprio Giovanni Sforza para que a irmã pudesse casar-se com um noivo muito mais vantajoso: o duque de Biscegli, irmão de Sanchia de Aragão. Lucrécia descobriu o plano escutando a conversa por trás da porta, e tomou uma atitude heróica, que deixou o pai e os irmãos decepcionados: avisou Sforza do que o esperava, e aconselhou-o a fugir. Ela própria fez as malas ao marido à pressa e encobriu-lhe a fuga.
Ao perceber que a sua irmã havia ajudado Giovanni Sforza a fugir, César trancou-se no seu quarto com Lucrécia. Conta-se que ela gritava dizendo que estava altamente decepcionada e escandalizada com a crueldade do pai e dos irmãos, e que desejava afastar-se deles para sempre.

Um pouco menos exaltada, ela pediu ao seu pai que a deixasse passar uma temporada no Convento de San Sisto, em Termas de Caracalla. Ela partiu, enquanto os seus irmãos e Alexandre VI planeavam a anulação do casamento, de Lucrécia com Sforza, baseando-se na hipótese dele ser impotente, apesar da sua primeira esposa ter morrido em consequência de parto, alegando que o casamento nunca havia sido consumado.
Em 14 de Julho de 1497, César leva o irmão Giovanni a cear a casa da mãe, Vanozza Cattanei. Giovanni Bórgia parte antes de a ceia terminar, alegando um encontro amoroso com uma das suas amantes; reaparece apenas dias depois, morto no Rio Tibre, degolado e com grandes feridas por todo o corpo.

As investigações dos emissários de Alexandre VI começaram e todas as provas apontavam apenas um assassino: César Bórgia. Além dos seus criados terem sido vistos nas imediações do local no horário do acontecimento, ele era a pessoa que mais tinha motivos para assassinar o irmão  Giovanni Bórgia: a inveja por ele ser duque de Gandia, já que, sendo o mais velho, teoricamente César teria esse direito; a preferência que o pai sempre deu a Giovanni; o ciúme doentio que ele sentia por Lucrécia ser mais próxima a Giovanni, aos olhos dele, já que ela sempre declarou que César era o seu irmão favorito. Ao perceber que o seu próprio filho era o responsável, o papa ordenou que as investigações terminassem, antes que o escândalo fosse ainda maior. Logo após a morte de Giovanni Bórgia, outra polémica familiar ocorria: a gravidez de Lucrécia, apesar de esta estar enclausurada num convento.

A paternidade da criança é amplamente discutida até aos dias de hoje. Existem teses de que o próprio César Bórgia tenha engravidado a irmã, e outros dizem que o responsável foi um belo jovem espanhol chamado Pedro Calderón que era da criadagem do papa Alexandre e era o incumbido de transportar a correspondência entre pai e filha. O certo é que, por algum tempo, ele realmente foi amante de Lucrécia Bórgia, mas não há como provar se ele a engravidou. 
Foi documentado que ao descobrir o romance entre a sua irmã e Pedro Calderón, César, desvairado de raiva e de ciúme, esfaqueou-o, porém o rapaz conseguiu chegar aos aposentos do papa e sujou a sua batina com sangue. Pedro Calderón escapou desta vez, mas a sorte não lhe sorriria novamente. Pouco depois, ele seguiu o destino de Giovanni Bórgia e surgiu morto no Rio Tibre. E o assassino foi também o mesmo de Giovanni: César Bórgia.
Em princípios de 1498, grávida de seis meses, Lucrécia seguiu até ao Vaticano para atestar a sua “virgindade” e assim poder anular o seu casamento com Giovanni Sforza. Ela conseguiu convencer os jurados, usando vários saiotes para esconder o seu estado, "Virgo intacta sum", declarou ela.

Lucrécia deu à luz um menino numa data indeterminada de Abril de 1498, que chamou de Giovanni. Porém, ele ficou conhecido apenas como "o Infante Romano"(Infans Romanus), e nada mais. A paternidade foi reconhecida por César Bórgia, agora que já havia largado a batina. Lucrécia preparava-se para casar novamente, desta vez com Afonso de Aragão, Duque de Bisceglie e príncipe de Salerno, filho do Rei Afonso II de Nápoles e de uma sua amante, Truzia Gazzela. Em 17 de Junho de 1498, Lucrécia Bórgia desposa Afonso de Biscegli numa cerimónia pomposa no Vaticano. Lucrécia tinha 18 anos, e Afonso 17. Ele, na realidade não tinha a mínima vontade de se casar com uma Bórgia, pois tinha escutado boatos de que a sua futura esposa era uma cruel envenenadora, que guardava veneno mortal dentro de um anel, uma mulher frívola que era "filha, mulher e nora" de seu pai. Porém, ao conhecer Lucrécia e verificar que ela era realmente bonita e aparentemente inofensiva, ele logo se apaixonou perdidamente.
No ano seguinte, Alexandre VI deu à filha Lucrécia a fortaleza de Nepi e as regiões de Spoleto e Foligno para que ela governasse. Lucrécia pela primeira vez mostrou, a quem quisesse ver, que não era apenas bonita, mas também muito inteligente e perspicaz. Afinal, ela era instruída, sabia falar fluentemente várias línguas, além do seu italiano, falava e escrevia francês, espanhol, latim e um pouco de grego. Governou os lugares com eficiência, justiça e piedade.

César Bórgia põe em acção mais um de seus planos malignos e sangrentos: o de matar o próprio Afonso de Biscegli. Lucrécia estava grávida agora, e César conseguiu convencer a irmã e o cunhado a ir ela ter a criança em Roma, que nasceu e foi chamado de Roderigo. Em Julho de 1500, pouco depois da chegada do casal, Afonso foi surpreendido por um grupo de homens fortemente armados esperando-o na Praça de São Pedro. Ele foi apunhalado, mas conseguiu fugir até os aposentos de Lucrécia, onde caiu gravemente no chão. Socorrido imediatamente pela mulher, que sabia exactamente quem era o mandante do crime e que o tentaria novamente; Afonso de Biscegli recuperava. Lucrécia e a sua cunhada, Sanchia de Aragão, cuidavam de Biscegli e, com medo de envenenamento, elas próprias faziam a comida do duque. Porém numa noite de descuido de Lucrécia e Sanchia, César e um criado Michelotto Corella, um primo dos Bórgia, homem de confiança do papa e de César, entraram sorrateiramente nos aposentos de Biscegli e enforcaram-no. Foi dito que quando saíram do quarto, César se deparou com Lucrécia do lado de fora. Ela gritou de horror.

Lucrécia Bórgia passou à história como a culpada deste assassinato. Dizia-se que Biscegli foi vítima de um de seus venenos, apesar de a acusação não ter fundamento algum, apenas na história pitoresca de Victor Hugo.
Lucrécia, após a sua controversa regência, recolheu-se à fortaleza de Nepi com seus os filhos Roderigo e Giovanni ("Infante Romano"), enquanto o seu pai e irmão planeiam mais um casamento chave para ela. Desta vez o novo alvo da família Bórgia era o filho do poderoso duque de Ferrara, o jovem Afonso d´Este. O casamento foi confirmado, e realizado em 30 de Dezembro de 1501, sem a presença do noivo, em cerimónia simples no Vaticano. Em 2 de Fevereiro do ano seguinte, Lucrécia entra triunfalmente em Ferrara. Como dote, foi pago aos d'Este 200.000 ducados, apesar da proposta inicial do noivo ter sido de 300.000. Comparando aos 15 milhões de ducados pagos a Giovanni Sforza, o primeiro marido de Lucrécia, alguns anos antes, a diferença era formidável. Mas há uma explicação muito simples. Lucrécia Bórgia, na época era uma menina de treze anos, não tinha nenhuma mácula em seu nome. Mas agora, aos olhos de toda a Europa, ela era envenenadora e incestuosa.

Lucrécia finalmente livrar-se-ia da sombra dos seus parentes infames, nunca mais tornaria a ver Alexandre VI, mas não se livraria do irmão César por enquanto. Lucrécia tinha 22 anos e Afonso d´Este 25. Como o duque de Biscegli, Afonso d´Este também não estava lá muito desejoso de se casar com uma Bórgia. Mas também ele acabou por sucumbir aos encantos da jovem.
Em 1503, o papa Alexandre morreu, e com a eleição do papa Júlio II, César viu os seus planos totalmente arruinados. César casou-se com a princesa Charlotte de França, ganhou o título de duque de Valentinois, e entrou para a história como “O Duque Valentino”.

Foi imortalizado por Maquiavel na sua obra-prima, “O Príncipe”, que tomava César Bórgia como o exemplo de bom governante e habilidade política. César foi morto em 1507, lutando pela França, numa emboscada em Espanha.
Aos 39 anos de idade, Lucrécia está prestes a enfrentar outro parto. Prevendo a sua morte, enviou uma carta ao papa Leão X pedindo-lhe a bênção especial. Cercada de amor familiar, em 24 de Junho de 1519, morre Lucrécia Bórgia em Ferrara, após uma longa febre pós-parto. A bênção papal não veio a tempo, mas Leão X escreveu ao viúvo que lamentava muito a morte da "boa duquesa", de quem o "inesquecível amigo César falava com tanto carinho". Foi sepultada no convento de Corpus Domini, do qual ela foi protectora em vida, em Ferrara, vestida com um hábito de freira.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A FRANÇA DOS CARDIAIS


Cardinal Richelieu, Armand Jean du Plessis.
A França do Cardeal Richelieu, na época de Luís XIII, corresponde ao período mais fértil da vida intelectual francesa na primeira metade da Época Moderna. A política de Richelieu teve repercussão em toda a Europa. A inquietação religiosa e as disputas entre Católicos e Protestantes haviam arrefecido na França, graças ao édito de Nantes, promulgado em 1598 por Henrique IV, morto em 1610 por um fanático (o mesmo havia acontecido ao seu pai Henrique III em 1589), Henrique V foi sucedido por Luís XIII. Os conflitos religiosos reacenderam-se e a nobreza impõe-se na corte diminuindo a autoridade do rei. O ministro de Luís XIII, Richelieu derrota os protestantes e os nobres e desenvolve a economia da França. Para tal, "atribuiu toda sorte de privilégios e monopólios aos negociantes e manufactureiros e ampliou o comércio marítimo. Com isso expandiram-se em grande escala as manufacturas e multiplicaram-se os engenhos mecânicos". O cardeal e o rei morrem respectivamente em 1642 e 1643. Luís XIV (1638-1715), que viria a ser símbolo da monarquia absoluta clássica, sucedeu o pai, Luís XIII, em 1643 mas até 1661, quando Descartes já estaria morto, esteve sob a regência do Cardeal Mazarino.


Jules Mazarin, nascido com o nome de Giulio Raimondo Mazzarino e conhecido como Cardeal Mazarino, nasceu em Pescina a 14 de Julho de 1602. Pescina é uma comuna italiana da região dos Abruzos, província de Áquila; faleceu a 9 de Março de 1661 em Vincennes,  França. Foi um completo estadista italiano radicado em França onde serviu como primeiro-ministro desde 1642 até à sua morte. Mazarino sucedeu ao seu mentor, o Cardeal de Richelieu. Mazarino era um notável coleccionador de arte e jóias, particularmente diamantes, que deixou por herança - os conhecidos "diamantes Mazarino" - a Luís XIV, alguns dos quais permanecem na colecção do museu do Louvre.

Vindo primeiro de Roma, onde desde jovem, Mazzarino despertou a atenção dos seus superiores, chegou a Paris em 1630, para onde o legatário papal de Milão o enviara em missão, a fim de negociar com o cardeal Richelieu, o todo-poderoso ministro de Luís XIII. Este foi um encontro decisivo na vida do jovem emissário da Igreja.
Fascinado pelo carisma e pelo poder que emanava daquela eminente personalidade que era o cardeal Richelieu, Mazzarino escreveu: "Eu resolvi devotar-me inteiramente a ele." Aos 32 anos, Mazzarino, elegante, charmoso e esbelto, traços que ainda manteve vinte anos depois, quando Philippe de Champaigne o imortalizou numa tela, dotado de um refinadíssimo gosto pelas artes e pela música e com uma reconhecida facilidade em circular nas altas esferas, logo o nomearam núncio na corte francesa. Foi então que deixou de ser um diplomata como outro qualquer, para se tornar um homem de Estado. Mudou-se de servidor do trono de São Pedro para o trono da França.

Convivendo com Richelieu e com o padre Joseph, a eminência parda do cardeal, Mazzarino abandonou o serviço papal e naturalizou-se francês, assinando a partir de então Jules Mazarin. Com esse passo, habilitou-se a ser o sucessor do grande homem Richelieu quando este faleceu em 1642. Com a morte do rei Luís XIII no ano seguinte, Mazzarino assumiu a regência do jovem príncipe, que, mais tarde, viria a ser Luís XIV, e cuja educação ele assumiu pessoalmente.
A obra de Mazzarino foi invejável. Consolidou a política de Richelieu no sentido de obter para a França as suas "fronteiras naturais, o Reno a Leste, e os Pirenéus ao Sul, assim como foi um dos artífices da Paz de Westfália de 1648, que pôs fim à devastadora Guerra dos Trinta Anos (1618-48) conflito que foi designado de La Fronde.

Internamente, solidificou o poder real contra a alta nobreza, esmagando, em 1653, a Fronda, aplicando a moderação na revolta camponesa de Solonge, de 1658. Administrativamente cercou-se de gente talentosa como Colbert, Fouquet, Lionne e Le Tellier. Também não contemporizou com os jansenistas movimento de caráter dogmático, moral e disciplinar, que assumiu também contornos políticos, uma dissidência religiosa, considerando-os nocivos à ortodoxia católica que defendia.
Nada disso o impediu, ou talvez por isso mesmo, de se tornar alvo das "Mazarinardes", uma onda de panfletos que lançaram contra ele, tornando-o, creio, num dos primeiros homens públicos a ser derrubado, por duas vezes, pela força da imprensa. Acusavam-no de "o bárbaro oficial que nos tiraniza", como constava num deles, de voracidade, nepotismo e relações ilícitas, além de ter amealhado um imenso património em palácios, quadros e jóias. Infamaram-no mas não mentiram. O cardeal, ao contrário dos demais prelados cristãos, não fez voto de pobreza, mas de riqueza. O seu Deus não era um asceta do deserto, mas o do bezerro de ouro. Salvaram-no, do ódio quase colectivo que despertou, o amor que lhe devotava a rainha-mãe, Ana de Áustria, e o desejo do príncipe adolescente em tê-lo por perto.

Recorrendo ao seu pequeno breviário os políticos (Breviario dei politici), um folheto de 100 páginas atribuídas à sua pena, intitulado Carnets e publicado por obra de Victor Cousin somente em 1854, não se evita uma certa frustração. Há uma razoável distância entre o homem político que ele foi, dotado de enorme censo da grandeza de Estado, e o conselheiro um tanto velhaco, um matreiro amante da intriga, que ele transpareceu ser no seu escrito. De facto, trata-se de um manual de sobrevivência na Corte, da arte do cortesão, em tentar evitar deixar-se ser mortalmente picado pelo serpentário que cerca o poder. Mazzarino, como émulo menor de Maquiavel, vê a política como uma actividade amoral, baseada em duas máscaras: a da simulação e a da dissimulação. Para tanto, ao empunhá-las, o praticante deve esvaziar-se de si mesmo, expurgar a autenticidade, evitar denunciar-se pela emoção, porque "quase sempre os sentimentos mais profundos do coração se estabelecem em claras notas pintadas no semblante."
Maquiavel
Promove, no lugar da ética, o ardil, a astúcia e o cinismo. A palavra é um florete. Fina e flexível, se estocada no coração mata, mas também serve para desviar o golpe. Perante os poderosos é bom que seja pronunciada num tom que não revele adulação, nem que o faça passar por um bajulador. Deve limitar-se ao sinuoso e escorregadio espaço que separa a lisonja do respeito. A amizade dos grandes pode ser obtida com servidão ou dinheiro, e mantida com ciúme e favores, "obséquios" como prefere o cardeal. A humilhação excessiva frente aos mandões, diz ele, não é recomendável. Ela, a humilhação, pode ser virtude entre irmãos franciscanos, não entre cortesãos ambiciosos.
Nietzsche só apareceria dois séculos depois.

Ao príncipe, pondera que se cerque de conselheiros de temperamento diverso, assim sempre terá uma média do que se poderia chamar de "opinião pública" bem próxima de si. Num parágrafo curioso, reitera que se mantenha um diário contável, formado por quatro colunas onde o governante deve registar, pacientemente, os custos e os benefícios da relação com cada um dos seus auxiliares e, também, dos presentes deles recebidos.
Revelador da sua opinião sobre os políticos em geral, é uma deliciosa passagem onde indica como eles devem proceder para... fugir da prisão!
O interessante sobre a história deste homem, verdadeiro cardeal nababo, é que ele tenha sido indicado pelo cardeal Richelieu, que, no seu "testamento político", advertia o monarca exactamente contra o tipo de religioso que Mazzarino era, alguém que, "para fazer fortuna", importuna a corte a fim de "obter o que não poderiam obter por mérito próprio". Mazzarino morreu bilionário! No seu leito de morte recomendou a Luís XIV, provavelmente num dos seus raros momentos de sinceridade, e, talvez, a título de autocrítica, que não nomeasse nenhum primeiro-ministro, conselho que o jovem rei prontamente acatou, pois adornou-se inteiramente do cenário palaciano, tornando-se O REI SOL.

domingo, 19 de setembro de 2010

ROBESPIERRE


Maximilien François Marie Isidore de Robespierre, nasceu a 6 de Maio de 1758 em Arras e faleceu a 28 de Julho de 1794 em Paris, executado na guilhotina. O motivo da sua prisão foram os boatos de endurecimento da Lei do Terror. A sua morte marcou o começo da última fase da Revolução Francesa.
O jovem advogado Robespierre pretendia mudar o destino da França. Desde o início da sua carreira política, destacou-se pela firmeza e pela forma radical de defender as suas ideias. Influenciado por Jean-Jacques Rousseau (filosofo, 1712-1778), defendia um Estado voltado para o bem comum e da vontade geral, estabelecido em bases democráticas. "O indivíduo é nada; a colectividade é tudo", afirmava, lembrando o famoso Contrato Social de Rousseau.

A filosofia política de Rousseau é inserida na perspectiva dita contratualista de filósofos britânicos dos séculos XVII e XVIII e o seu famoso discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens pode ser facilmente entendido como um diálogo com a obra de Thomas Hobbes.
Os amigos de Robespierre chamavam-lhe "O Incorruptível". Principal membro dos "Montanha" durante a Convenção, ele encarnou a tendência mais radical da Revolução, transformando-se numa das personagens mais controversas deste período. Os seus inimigos chamavam-lhe o “Candeia de Arras”, “Tirano” e “Ditador sanguinário” durante o Terror.

Em 1791 Robespierre foi um dos principais líderes da insurreição popular do Campo de Marte. A sua fama de defensor do povo valeu-lhe o apelido de "Incorruptível". Depois da deposição da família real, em 1792, Robespierre aderiu à Comuna de Paris e tornou-se um dos chefes do governo revolucionário. Combateu então a facção dos girondinos, menos radicais; compreendia junto com os “Jacobins” liderados por Robespierre e os “Cordeliers” por Danton o Terceiro Estado, ocupavam o lado direito da Assembleia, ficando o direito para o Clero (Primeiro Estado) e Aristocracia (Segundo Estado). Defendiam uma Monarquia Constitucional mas enfraqueceram-se politicamente com a tentativa de fuga de Louis XVI. A conotação política dos termos Esquerda e Direita provém desta divisão inicial da Assembleia Nacional Francesa, remonta à Revolução Francesa, onde os membros do Terceiro Estado se sentavam à esquerda do rei enquanto os do clero e da nobreza se sentavam à direita. Os mais radicais que normalmente eram contra as decisões ficaram conhecidos como a esquerda enquanto os favoráveis às decisões eram os de direita.

Os “Girondins” tinham nos seus quadros representantes da alta, média e baixa burguesia, facção política maioritariamente burguesa, que se posicionou contra a monarquia absoluta e o antigo regime em geral, surgiu durante o início da República francesa, tendo sido dinamizada por personagens como Condorcet, Gaudet, Roland, Brissot e Buzot. Derivaram do nome dos três últimos, as demais cognominações dos Girondinos: "Buzotins", "Rolandistes" e "Brissotins". O nome de Girondinos proveio do facto dos membros deste grupo serem deputados da Gironda e integrarem a Assembleia Legislativa.

Os Girondinos tiveram um grande poder, outorgado por Luís XVI ao formar um governo constituído por membros desta facção em 1792, e levaram ao despoletar da luta contra o Império Austríaco, entre outras medidas que tiveram consequências nefastas e provocaram motins populares. A partir da Convenção, em Setembro de 1792, e sobretudo após o início do processo contra o rei (1792/1793), que os Girondinos defenderam, a luta contra o partido dos Montanheses de Robespierre, torna-se acesa. Os Girondinos acabam por ser presos em 1793 (tendo-se alguns suicidado – Buzot, Roland –, outros fugido e outros ainda sido executados – Brissot, Gensonné), por decreto da Convenção e na sequência da vontade manifestada pelo Povo.

Robespierre foi um dos que pediram a condenação do rei Luís XVI e de Maria Antonieta, guilhotinados, respectivamente em 21 de Janeiro e 16 de Outubro de 1793. Em Julho do mesmo ano, Robespierre criou um Comité de Salvação Pública para perseguir os inimigos da revolução. Foi instaurado o regime do "Grande Terror" - o auge da ditadura de Robespierre.

Em 1794, Robespierre mandou executar Georges Jacques Danton, o revolucionário que propunha um rumo mais moderado para a revolução. Neste mesmo ano, tornou-se Presidente da Convenção Nacional.

Na véspera da sua prisão, Robespierre proferiu o que pode ser considerado o seu epitáfio: "A morte não é o sono eterno. Mandai antes gravar: a morte é o início da imortalidade!".
No dia 27 de Julho, numa sessão tumultuada, Robespierre foi ferido e teve que sair da sala à pressa; detido imediatamente pelos seus inimigos, dois dias depois, foi mandado para a guilhotina.
  

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

OUGUELA, A HISTÓRIA DE UM LUGAR

Corria o ano de 1475 quando se deu o acontecimento que a seguir se relata; que fique para o conhecimento, este feito extraordinário que todos os habitantes da vila de Ouguela presenciaram naquela Primavera de 1475. Situemo-nos no tempo e local em que se encontravam:
Reinava em Portugal D. Afonso V, de cognome “O Africano”, e decorria o ano em que Portugal sofreu a derrota na batalha de Toro a 30 de Abril.

    Ouguela contínua a ser uma bela vila. Era uma impenetrável fortaleza, no cimo de um outeiro isolado, sentinela alerta do outro lado da fronteira… que ali começa Castela!
    Há mais de sete séculos que passou a terra portuguesa, pelo tratado de Alcanizes - 12 de Setembro de 1297 - no tempo em que reinava o nosso rei D. Diniz e parece que devido aos bons ofícios de sua ínclita mulher, a Rainha Santa Isabel, Isabel de Aragão.

    Mas nem sempre os assuntos entre os reinos de Portugal e de Castela se resolveram pacificamente com tratados. Não vai longe as terríveis batalhas do século XIV :
- Batalha dos Atoleiros, a 6 de Abril de 1384;
- Batalha de Aljubarrota,  no final da tarde de 14 de Agosto de 1385 - em que, com muito sofrimento e perda de vidas humanas, tivemos que defender terminantemente o nosso território e identidade nacionais, ambas comandadas pelo então jovem D. Nuno Álvares Pereira.

Ouvia-se o eco das carriagens em movimento, daquela imensa onda de castelhanos arrasando aldeias e lugarejos, tudo destruindo e também o som ensurdecedor dos trons, armas diabólicas que podem matar, à distância, vários homens ao mesmo tempo.

    Tudo isto foi contado através do tempo, transmitido por aqueles que estiveram e sobreviveram às contendas.
    Os dois reinos voltam a não se entender e a causa tem ligeiras semelhanças com a que deu origem à desavença em 1427. Uma questão provocada pela sucessão ao trono de Castela.
    O rei de Leão e Castela, Enrique IV, alcunhado de “El Impotente”, casou em segundas núpcias com a irmã mais nova de D. Afonso V, D. Joana. Deste casamento nasceu a infanta também de nome Joana, que dizem as más-línguas ser filha de D. Beltran de la Cueva, Duque de Alburquerque - Badajoz e valido do rei. Verdade, ou não, a princesa é conhecida em toda a Castela por Joana a Beltraneja.

    Enrique IV e sua mulher por mais de uma vez declararam a legitimidade da filha, e no testamento do rei castelhano, consta-se que entregou ao cunhado a protecção da sua herdeira, com quem o convida a casar, assim como a defesa e governo dos seus reinos.
    No entanto, a irmã de Enrique IV, Isabel, filha como ele de D. João II de Castela, mas sendo a mãe a portuguesa, também de nome Isabel, filha do Infante D. João de Portugal, a quem corre nas veias sangue de Nuno Álvares Pereira, é uma mulher inteligentíssima e decidida.
    Sem autorização e conhecimento do irmão casa com o príncipe aragonês D. Fernando.
    Quando em Dezembro de 1474 morre Enrique IV é aclamada rainha na maior parte do reino de Castela.
     A D.Isabel e D. Fernando chamam-lhe hoje os reis católicos de “Hespanha”, pois eram pessoas muito dedicadas à religião.

     Diziam muitos judeus e outros tantos infiéis que por aqui passaram muitos perseguidos, fugidos, dado que, muitos outros têm ardido - pela mão de Torquemada - em grandes fogueiras à ordem de um tribunal a que chamaram da Santa Inquisição, pedido por estes reis de Espanha, ao Papa Sixto IV para combater as heresias que minavam o reino.

    Mas perante o desenrolar dos acontecimentos provocados pela morte de Enrique IV, o seu cunhado D. Afonso V decide intervir na sucessão do reino vizinho, em defesa de sua sobrinha e prometida, D. Joana, que se vê também aclamada em muitas praças ao longo da fronteira com Portugal.
    Assim principia uma guerra confusa que durará quatro anos, de 1475 a 1479, em que se deu a célebre batalha de Toro a 1 de Março de 1476, na qual o porta-bandeira português, chamado Duarte de Almeida, decepado gravemente das mãos, a segura com os dentes e com o que lhe resta dos membros, levantando o ânimo das tropas portuguesas.
De tudo o que foi ouvido contar, ainda não se percebeu quem saiu vitorioso dessa batalha, mas a guerra, politicamente, foi-nos desfavorável, pois no trono de Castela ficou sentada D. Isabel de Espanha.
     Ouguela, como praça portuguesa que era, alinhou pelo partido da sobrinha do rei de Portugal, D. Joana, a Excelente Senhora.

     Além da batalha de Toro os recontros resumiram-se a escaramuças fronteiriças, embora algumas delas tenham ficado célebres por factos como o que se passa imediatamente a relatar:
    Voltemos, então, ao ano de 1475:

    Ia uma Primavera escaldante naquele ano. Não chovia gota de água há meses, quem se lembrasse desse Novembro passado, os últimos Invernos passariam despercebidos. Fontes e poços começam a secar. Felizmente a cisterna do terreiro do castelo tinha suficiente água. O alcaide, João da Silva, mandou racioná-la. Temia, com certeza, que um cerco prolongado nos deixasse sem água, o que seria desastroso.
    Esse alcaide era um grande capitão. Por isso o rei o nomeou, também, camareiro-mor do príncipe D. João. Era um homem generoso, justo e avisado.
    Desde o início do mês de Abril obrigou todo o povo das cercanias a recolher-se no interior da muralha a partir do pôr-do-sol. Receava um ataque vindo de Alburquerque, praça castelhana postada do outro lado da fronteira cerca de duas léguas – em dias de boa vista parecia estar mais perto – e que tinha forte guarnição militar.

    Acima de tudo João da Silva queria estar em guarda e proteger a população que nada tinha a ver com aquela guerra.
    Foi ouvido, há dias, dizer para o Prior da Igreja de N.ª S.ª da Graça e para o Capitão da guarda: «não quero que esta gente seja molestada por querelas que lhe não dizem respeito, nem entende. Nós, soldados, estamos aqui para obedecer e defender o nosso rei e senhor D. Afonso; essa é a nossa obrigação de soldados e tudo faremos para que assim seja».
    Retorquiu-lhe o Prior: «Deus Nosso Senhor vai pôr cobro rapidamente a esta contenda e se isso não acontecer será, certamente, para sua maior glória e...»
    Interrompeu-lhe o discurso o alcaide e replicou: «nunca perceberei como é que uma guerra pode servir para glória de alguém, ou do que quer que seja!»
    Era assim João da Silva, um homem directo, determinado, sem papas na língua. Tinha razão nas suas conjecturas em relação a Alburquerque.
    Tem esta vila da Estremadura Espanhola, também um valente alcaide: Juan Fernandez Galindo, 3.º Mestre de Alcântara, homem experimentado na arte militar, rijo como o metal da armadura que enverga para combater mas sempre pronto a auxiliar quem lhe bate à porta.

    Em Alburquerque ninguém conhece o rosto da fome e não há viajante que fique a dormir debaixo das estrelas. A todos acolhe e enche o estômago.
    Também não há malfeitor que se aventure por aquelas bandas, pois arrisca-se a, num abrir e fechar de olhos, dançar morto na ponta de uma corda, suspenso da arrepiante altura da torre de menagem.
Juan Fernandez Galindo mandara aprontar para combate a tropa sediada em Alburquerque mas nem ao seu Capitão da guarda dera conta das suas intenções.
    O dia amanhece solarengo naquele 6 de Maio de 1475. Vai fazer muito calor. Quando os primeiros raios de sol chegam à praça de armas de Alburquerque um pequeno exército está pronto para qualquer eventualidade, esperando que o seu comandante apareça à porta principal da alcáçova.
    Este é um dia especial para o alcaide Galindo. O seu filho mais novo, Pedro Fernandez Galindo, com apenas catorze anos de idade, feitos naquele dia, e contra a vontade de sua mãe, está entre os cavaleiros que o vão acompanhar na expedição militar a Ouguela.
Esta saída é outro motivo de orgulho que sente naquela hora. Nunca se tendo encontrado frente a frente com João da Silva, conhece bem o alcaide de Ouguela. Por várias vezes o avistou do outro lado da raia, junto ao rio Xévora, em episódios de caça ao javali.

Sabe da valentia e nobreza do seu adversário que não é homem de vergar.
    É neste estado de espírito que Juan Fernadez Galindo se dirige aos seus homens de armas:
«El rey de Portugal ha invadido nuestros Reinos de Castilla y Leon para quitar el trono a nuestra reyna y señora Doña Isabel y poner en su lugar a su sobrina Doña Juana.
La mayoría de las plazas del Reino, al igual que lo hicimos nosotros, después de la muerte del rey Enrique, han proclamado inmediatamente a Doña Isabel y a su marido, Don Fernando de Aragón, como sus legítimos Reyes. He decidido que nos vamos hoy a Ouguela para delimitar bien la soberanía de Castilla y devolver esa ciudad a nuestro Reino. Esa es nuestra misión. Que nos guíe la Virgen y su hijo Cristo Rey».
    Em Ouguela essa manhã de 3ª feira, 6 de Maio de 1475, também acorda sorridente, adivinhando um dia quente.
Abre-se a porta de armas ainda de madrugada, para deixar sair um correio a caminho de Évora, onde se encontra o príncipe D. João, relatando-lhe João da Silva as suas últimas suspeitas sobre as movimentações de tropas castelhanas ao longo desta parte da fronteira.
Alguns homens de sua confiança, espiões colocados estrategicamente em terra castelhana, informam-no com rapidez do que por ali se vai passando.
Ainda há poucos dias teve notícias de D. Afonso V e sua hoste já dentro de Castela, a caminho de Plasencia de Cáceres, ao encontro de sua sobrinha D. Joana.

Soube, também, que o rei português não tem sido importunado na sua marcha, a não ser por alguns provocadores que quando a tropa portuguesa lhes deita a mão ficam a baloiçar na árvore mais próxima.
    Nessa manhã, igual a tantas outras, o alcaide encontra-se bem cedo na Igreja Paroquial a ouvir missa. O silêncio habitual na casa de Deus é cortado, subitamente, por passos apressados que enchem os ouvidos dos devotos e denunciam preocupação e alarme.
João da Silva sabe imediatamente que qualquer coisa de anormal acontece e ao virar-se na direcção do som tem a seu lado o Capitão da guarda Álvaro Pais.
-Tendes, com certeza, Álvaro Pais grave motivo para interromper as minhas orações e até adivinho o que me vindes dizer, atirou o alcaide ao seu homem!
A boca de Álvaro Pais, presa de estupefacção, não articula palavra e o alcaide adianta: -temos visitantes?
-É isso mesmo senhor ressoa a voz grave do Capitão por todo o Templo, abafando as preces do Prior e fiéis. D. Juan Galindo encontra-se a trote à frente dos seus homens de armas e dirigem-se para aqui.

Mal o dia começou a clarear, a sentinela da torre maior viu grande poeirada para os lados de Alburquerque. Como a terra anda cheia de pó e há vento, pensou que era um daqueles remoinhos habituais nesta altura do ano, sossegou. Pouco tempo depois, ao enxergar outra vez na mesma direcção, estranhou continuar no ar aquela mancha de poeira. Foi então que percebeu a sua causa...
Agora vêem-se bem. São cerca de cem cavaleiros e quinhentos peões, comandados pelo próprio D. Galindo. Vêm armados até aos dentes, Senhor!
    De um pulo o alcaide de Ouguela está fora da Igreja a subir as escadas da torre de menagem e não fica com dúvidas sobre as intenções do grupo.
   À nuvem de pó, que denuncia os castelhanos é agora uma enorme cortina acastanhada que se vai refazendo, junta-se, passado algum tempo, a onda sonora do movimento da coluna: a zoada, mistura-se com vozes, trotear, relinchos, passos apressados e sons metálicos.
Já encandeiam as luzes de mil sóis reflectidos por elmos e escudos e tudo isto é nítido, provocando dentro do peito de quem espera um eco compassado ao ritmo da aproximação.
    Em Ouguela fecha-se a porta de armas e há grande azáfama adentro muros. Fazem-se os últimos preparativos para receber os de Alburquerque, já que o plano de defesa da vila há muito está ensaiado pelo seu comandante.

    João da Silva, trajado para combate, volta à torre de menagem e não tira os olhos do cavaleiro que encabeça a hoste: Juan Galindo.
Sabe de cor o português ao que vem o castelhano. Adivinha-lhe o estado de alma, o olhar desafiante, a tensão de cada músculo do seu corpo, o desejo ardente de combate...
O aspecto imponente daquele homem condiz com tudo o que dele lhe contam. Vai, por certo, aceitar o seu desafio!
    O comandante castelhano sente-se, por seu lado, observado e repara naquela silhueta imóvel, postada no alto da torre principal da fortaleza de Ouguela. Ali reconhece o mesmo homem que algumas vezes avistara junto à linha fronteiriça, até onde, por vezes, vem correr da caça.
    Já muito perto do Castelo fica pasmado D. Galindo com um acenar amigável do seu opositor e mais ainda quando percebe que o mesmo lhe indica que irá sair, sem escolta, ao seu encontro, para com ele chegar à fala.
«O português é homem valente, não há dúvida. Ele e os seus homens estão ali para assaltar Ouguela, pelo que esperava tudo menos aquela recepção».
Fica curioso, cogitando sobre as intenções de João da Silva. «Vindo sem escolta, para palestrar, é porque se dispõe a propor-lhe qualquer acordo e sabe que ele é homem para ouvir. O plano do cerco ao castelo está arquitectado e pode ser executado a qualquer momento, pelo que não há pressas. Deve ouvir o que o alcaide português tem para dizer».
    D. Galindo faz sinal ao seu Capitão da guarda para que mande parar a tropa.
Homens e animais estão sequiosos, cobertos de pó, recebendo com agrado a ordem de suspender a marcha, param.
Depois, ele próprio dá instruções muito precisas: «Voy al encuentro del comandante portugués que desea encontrarse conmigo a solas. Hasta que yo vuelva mantendréis esta posición y bajo ninguna circunstancia la abandonaréis.»

Chega o castelhano junto ao morro da vila no preciso momento em que o português sai fora muros. Estão desarmados os dois homens. As armas, por agora, não vão ser necessárias.
Soldados e população apinham-se entre ameias para assistir ao encontro que também é seguido com atenção pelos de Alburquerque.
Estancam os dois cavaleiros a menos de dez metros, um do outro e olham-se com respeito. Parece que ambos aprovam o inimigo que têm pela frente.
    Juan Galindo quebra o silêncio: «Señor Don João da Silva, mis intenciones son claras. No he entrado en tierras portuguesas para venir a pasear. Estoy aquí por expreso deseo de mí reina y señora, Doña Isabel, para tomar a ciudad de Ouguela y devoverla a nuestro reino de Castilla. Sin embargo he recibido vuestro ofrecimiento y, antes de ordenar a mis hombres que ataquen el castillo, quiero oír vuestras palabras».

    João da Silva ouviu impassível, o comandante castelhano, sem deixar escapar do seu rosto qualquer emoção. Depois, com voz calma e pausada respondeu: «D. Juan Fernandez Galindo, pois sei muito bem a razão da vossa vinda. Mas, aviso-vos, estais aqui em vão!
Não conseguireis entrar em Ouguela para cumprir o desejo de vossa rainha, a Senhora D. Isabel. A isso me vou opor!
Estamos fornecidos de água e mantimentos com fartura, pelo que vos podemos massacrar ali de cima por longo tempo.
Mas sei que não sois homem para dar meia volta e regressar a Alburquerque.
Morrerá gente vossa e minha sem proveito para ninguém! E eu tenho dentro da muralha gente simples, que nada tem a ver com as quezílias entre o meu rei e a vossa senhora Dona Isabel.
    Por isso vos venho desafiar!
Proponho-vos um combate entre nós que ditará a sorte de Ouguela. Combateremos os dois com as nossas espadas até um de nós morrer. Os vossos soldados e os meus, assim como o povo de Ouguela, serão testemunhas do que acontecer».

    D. Galindo percebe a determinação do português. Concorda, para si, que é empreitada difícil assaltar o castelo de Ouguela., a proposta de João da Silva é prática e revela, sobretudo, grande nobreza de carácter. Que tudo se decida com a morte de um deles.
    «Haré mías vuestas palabras», respondeu Don Galindo. «Y si Dios quiere llamarme hoy a su presencia, tendré mucha honra y orgullo de morir en vuestras manos».
Naquele fim de tarde de seis de Maio de 1475 encomendam-se os dois capitães a Deus na Igreja de Nossa Senhora da Graça. Cada um reza por seus sentimentos mais íntimos, oferecendo o sacrifício de sua vida por aquela nobre causa que concordam defender.
     Terminada a oração abraçam-se os dois cavaleiros, mais parecendo irmãos de peito que inimigos, pedindo perdão um ao outro, como o algoz à sua vítima. Cumpre-se o Código de Honra, Conduta e ética do Guerreiro Medieval com o desejo divino.

    Álvaro Pais e Miguel Escobar, lugar-tenentes dos alcaides, ainda meio perturbados com o rumo dos acontecimentos, fazem os últimos preparativos para a liça. Escolhem um terreiro apropriado, com bastante espaço para dispor tropas e gente curiosa.
     Estão prontos para combater os dois homens. Juan Galindo beija o filho Pedro, balbuciando qualquer coisa que ninguém ouve mas todos pressentem o que lhe terá segredado.
    Este combate decorre em silêncio! Talvez a léguas se oiça o som das espadas cruzando ares, cintilando uma sobre a outra.

   Arremetem uma e outra vez os dois cavaleiros, ferozmente, defendendo, cada escudo as tremendas espadeiradas desferidas. O castelhano mete a ponta da espada na axila direita do português, que a tinha a descoberto para infringir mais um ataque. Dobra-se de dor João da Silva mas logo recupera forças e atira potente estocada a D. Galindo que é atingido, gravemente, no baixo-ventre.

   Golpe atrás golpe ferem-se, mortalmente, João da Silva Português e Galindo Castelhano. Este está inerte, abraçando o pescoço da montada, não recobra fôlego. João da Silva apeia-se, vacilando, vai com muito custo até junto do seu companheiro de lide e, levantando-lhe a viseira, compreende que o duelo está terminado. Imediatamente cai exausto, inanimado.
    A hoste invasora regressa a Alburquerque em cortejo fúnebre, transportando o cadáver do 3.º Mestre de Alcântara.
    Em Ouguela, vinte e oito dias depois, morre o nobre alcaide João da Silva devido aos graves ferimentos recebidos da espada de seu valente adversário.
    A vila continua portuguesa, à excepção de Olivença.

De Luís  Galhardas, - in visita a Ouguela
Revisto e recomposto/JMBD