Cardinal Richelieu, Armand Jean du Plessis.
A França do Cardeal Richelieu, na época de Luís XIII, corresponde ao período mais fértil da vida intelectual francesa na primeira metade da Época Moderna. A política de Richelieu teve repercussão em toda a Europa. A inquietação religiosa e as disputas entre Católicos e Protestantes haviam arrefecido na França, graças ao édito de Nantes, promulgado em 1598 por Henrique IV, morto em 1610 por um fanático (o mesmo havia acontecido ao seu pai Henrique III em 1589), Henrique V foi sucedido por Luís XIII. Os conflitos religiosos reacenderam-se e a nobreza impõe-se na corte diminuindo a autoridade do rei. O ministro de Luís XIII, Richelieu derrota os protestantes e os nobres e desenvolve a economia da França. Para tal, "atribuiu toda sorte de privilégios e monopólios aos negociantes e manufactureiros e ampliou o comércio marítimo. Com isso expandiram-se em grande escala as manufacturas e multiplicaram-se os engenhos mecânicos". O cardeal e o rei morrem respectivamente em 1642 e 1643. Luís XIV (1638-1715), que viria a ser símbolo da monarquia absoluta clássica, sucedeu o pai, Luís XIII, em 1643 mas até 1661, quando Descartes já estaria morto, esteve sob a regência do Cardeal Mazarino.
Jules Mazarin, nascido com o nome de Giulio Raimondo Mazzarino e conhecido como Cardeal Mazarino, nasceu em Pescina a 14 de Julho de 1602. Pescina é uma comuna italiana da região dos Abruzos, província de Áquila; faleceu a 9 de Março de 1661 em Vincennes, França. Foi um completo estadista italiano radicado em França onde serviu como primeiro-ministro desde 1642 até à sua morte. Mazarino sucedeu ao seu mentor, o Cardeal de Richelieu. Mazarino era um notável coleccionador de arte e jóias, particularmente diamantes, que deixou por herança - os conhecidos "diamantes Mazarino" - a Luís XIV, alguns dos quais permanecem na colecção do museu do Louvre.
Vindo primeiro de Roma, onde desde jovem, Mazzarino despertou a atenção dos seus superiores, chegou a Paris em 1630, para onde o legatário papal de Milão o enviara em missão, a fim de negociar com o cardeal Richelieu, o todo-poderoso ministro de Luís XIII. Este foi um encontro decisivo na vida do jovem emissário da Igreja.
Fascinado pelo carisma e pelo poder que emanava daquela eminente personalidade que era o cardeal Richelieu, Mazzarino escreveu: "Eu resolvi devotar-me inteiramente a ele." Aos 32 anos, Mazzarino, elegante, charmoso e esbelto, traços que ainda manteve vinte anos depois, quando Philippe de Champaigne o imortalizou numa tela, dotado de um refinadíssimo gosto pelas artes e pela música e com uma reconhecida facilidade em circular nas altas esferas, logo o nomearam núncio na corte francesa. Foi então que deixou de ser um diplomata como outro qualquer, para se tornar um homem de Estado. Mudou-se de servidor do trono de São Pedro para o trono da França.
Convivendo com Richelieu e com o padre Joseph, a eminência parda do cardeal, Mazzarino abandonou o serviço papal e naturalizou-se francês, assinando a partir de então Jules Mazarin. Com esse passo, habilitou-se a ser o sucessor do grande homem Richelieu quando este faleceu em 1642. Com a morte do rei Luís XIII no ano seguinte, Mazzarino assumiu a regência do jovem príncipe, que, mais tarde, viria a ser Luís XIV, e cuja educação ele assumiu pessoalmente.
A obra de Mazzarino foi invejável. Consolidou a política de Richelieu no sentido de obter para a França as suas "fronteiras naturais, o Reno a Leste, e os Pirenéus ao Sul, assim como foi um dos artífices da Paz de Westfália de 1648, que pôs fim à devastadora Guerra dos Trinta Anos (1618-48) conflito que foi designado de La Fronde.
Internamente, solidificou o poder real contra a alta nobreza, esmagando, em 1653, a Fronda, aplicando a moderação na revolta camponesa de Solonge, de 1658. Administrativamente cercou-se de gente talentosa como Colbert, Fouquet, Lionne e Le Tellier. Também não contemporizou com os jansenistas movimento de caráter dogmático, moral e disciplinar, que assumiu também contornos políticos, uma dissidência religiosa, considerando-os nocivos à ortodoxia católica que defendia.
Nada disso o impediu, ou talvez por isso mesmo, de se tornar alvo das "Mazarinardes", uma onda de panfletos que lançaram contra ele, tornando-o, creio, num dos primeiros homens públicos a ser derrubado, por duas vezes, pela força da imprensa. Acusavam-no de "o bárbaro oficial que nos tiraniza", como constava num deles, de voracidade, nepotismo e relações ilícitas, além de ter amealhado um imenso património em palácios, quadros e jóias. Infamaram-no mas não mentiram. O cardeal, ao contrário dos demais prelados cristãos, não fez voto de pobreza, mas de riqueza. O seu Deus não era um asceta do deserto, mas o do bezerro de ouro. Salvaram-no, do ódio quase colectivo que despertou, o amor que lhe devotava a rainha-mãe, Ana de Áustria, e o desejo do príncipe adolescente em tê-lo por perto.
Recorrendo ao seu pequeno breviário os políticos (Breviario dei politici), um folheto de 100 páginas atribuídas à sua pena, intitulado Carnets e publicado por obra de Victor Cousin somente em 1854, não se evita uma certa frustração. Há uma razoável distância entre o homem político que ele foi, dotado de enorme censo da grandeza de Estado, e o conselheiro um tanto velhaco, um matreiro amante da intriga, que ele transpareceu ser no seu escrito. De facto, trata-se de um manual de sobrevivência na Corte, da arte do cortesão, em tentar evitar deixar-se ser mortalmente picado pelo serpentário que cerca o poder. Mazzarino, como émulo menor de Maquiavel, vê a política como uma actividade amoral, baseada em duas máscaras: a da simulação e a da dissimulação. Para tanto, ao empunhá-las, o praticante deve esvaziar-se de si mesmo, expurgar a autenticidade, evitar denunciar-se pela emoção, porque "quase sempre os sentimentos mais profundos do coração se estabelecem em claras notas pintadas no semblante."
Maquiavel
Promove, no lugar da ética, o ardil, a astúcia e o cinismo. A palavra é um florete. Fina e flexível, se estocada no coração mata, mas também serve para desviar o golpe. Perante os poderosos é bom que seja pronunciada num tom que não revele adulação, nem que o faça passar por um bajulador. Deve limitar-se ao sinuoso e escorregadio espaço que separa a lisonja do respeito. A amizade dos grandes pode ser obtida com servidão ou dinheiro, e mantida com ciúme e favores, "obséquios" como prefere o cardeal. A humilhação excessiva frente aos mandões, diz ele, não é recomendável. Ela, a humilhação, pode ser virtude entre irmãos franciscanos, não entre cortesãos ambiciosos.
Nietzsche só apareceria dois séculos depois.
Nietzsche só apareceria dois séculos depois.
Ao príncipe, pondera que se cerque de conselheiros de temperamento diverso, assim sempre terá uma média do que se poderia chamar de "opinião pública" bem próxima de si. Num parágrafo curioso, reitera que se mantenha um diário contável, formado por quatro colunas onde o governante deve registar, pacientemente, os custos e os benefícios da relação com cada um dos seus auxiliares e, também, dos presentes deles recebidos.
Revelador da sua opinião sobre os políticos em geral, é uma deliciosa passagem onde indica como eles devem proceder para... fugir da prisão!
O interessante sobre a história deste homem, verdadeiro cardeal nababo, é que ele tenha sido indicado pelo cardeal Richelieu, que, no seu "testamento político", advertia o monarca exactamente contra o tipo de religioso que Mazzarino era, alguém que, "para fazer fortuna", importuna a corte a fim de "obter o que não poderiam obter por mérito próprio". Mazzarino morreu bilionário! No seu leito de morte recomendou a Luís XIV, provavelmente num dos seus raros momentos de sinceridade, e, talvez, a título de autocrítica, que não nomeasse nenhum primeiro-ministro, conselho que o jovem rei prontamente acatou, pois adornou-se inteiramente do cenário palaciano, tornando-se O REI SOL.